31 de jul. de 2009

'Múltiplas culturas, uma só humanidade'

Zigmunt Bauman, sociólogo

Um dos seus livros se chama 'Múltiplas culturas, uma só humanidade'. Neste conceito há uma visão "otimista" do mundo de hoje?

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22/07/2009 - Zigmunt Bauman, o sociólogo que sacudiu as ciências sociais com o seu conceito de "modernidade líquida" propõe reconhecer a situação planetária atual como um caso de interregno. "O velho está morrendo", diz ele, mas no novo ainda não nasceu. "Vivemos um lapso em que virtualmente tudo pode acontecer, mas nada pode realizar-se com plena segurança e certeza de sucesso", afirma o sociólogo. Uma das principais características desse interregno é o crescente divórcio entre o poder e a política. O poder se tornou global e a política não conseguiu transpor o local, afirma Bauman. O princípio trinitário território, estado e nação está em crise, destaca.

Residente em Londres e professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e de Varsóvia, Bauman concecedeu entrevista a Héctor Pavón do jornal Clarín, 18-07-2009. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Um dos seus livros se chama 'Múltiplas culturas, uma só humanidade'. Neste conceito há uma visão "otimista" do mundo de hoje?

Nem otimista, nem pessimista… É apenas uma avaliação sóbria do desafio que enfrentamos no umbral do século XXI. Estamos agora interconectados e somos interdependentes. O que acontece num lugar do planeta tem impacto em todos os demais, mas essa condição que compartilhamos se traduz e se reprocessa em milhares de línguas, de estilos culturais, de depósitos de memória. Não é provável que a nossa interdependência redunde em uma uniformidade cultural. O desafio que enfrentamos, é por assim dizer, o de que estamos no mesmo barco; temos um destino comum e a nossa sobrevivência irá depender da cooperação ou da luta entre nós. De todo modo, às vezes, diferimos muito em alguns aspectos vitais. Temos que desenvolver, aprender e praticar a arte de viver com as diferenças, a arte de cooperar sem que os cooperados percam sua identidade, beneficiarmo-nos uns dos outros, apesar de nossas diferenças.

É um paradoxo, mas enquanto se exalta a livre circulação de mercadorias, se fortalecem e se constroem fronteiras e muros. Como sobreviver nessa tensão?

Isso apenas parece ser um paradoxo. Na realidade, essa contradição era já esperada num planeta onde as potências que determinam as nossas vidas são globais e podem ignorar as fronteiras e as leis do estado, enquanto que a maior parte dos instrumentos políticos continua sendo local e de uma completa inadequação para as enormes tarefas a serem enfrentadas. Fortificar as velhas fronteiras e traçar outras novas, procurar separar "nós" em contraposição a "eles" são reações naturais, se bem que desesperadas, discrepantes. Se essas reações são eficazes é outra questão. As soberanias locais territoriais vão continuar desfazendo-se neste mundo em rápida globalização.

Há cenários comuns na Cidade do México, em São Paulo, em Buenos Aires: de um lado vilas miseráveis; do outro, condomínios fechados. Pobres de um lado, ricos do outro. Quem fica no meio?

Porque limitar-se às cidades latino americanas? A mesma tendência prevalece em todos os continentes. Trata-se de outra tentativa desesperada de separar-se da vida incerta, desigual, difícil e caótica que vem de "fora". Mas a cerca tem dois lados. Divide o espaço em um "dentro" e um "fora", mas o "dentro" para as pessoas que vivem de um lado do muro é o "fora" para os que estão do outro lado. Cercar-se em uma "comunidade fechada" significa também excluir os outros dos lugares dignos, agradáveis e seguros e fechá-los em seus bairros pobres. Nas grandes cidades, o espaço se divide em "comunidades fechadas" (guetos voluntários) e "bairros miseráveis" (guetos involuntários). O resto da população é levado a uma incomoda existencia entre esses dois extremos, sonhando em aceder os guetos voluntários e temendo cair nos involuntários.

Por que se acredita que o mundo de hoje padece de uma insegurança sem precedentes? Em outras épocas se vivia com maior segurança?
Cada época e cada tipo de sociedade têm os seus próprios problemas específicos e seus pesadelos, e cria suas próprias estratégias para lidar com os seus medos e angústias. Em nossa época, a angústia aterradora e paralisante tem as suas raízes na fluidez, na fragilidade e na inevitável incerteza da posição e da das perspectivas sociais. Por um lado, se proclama o livre acesso a todas as opções imagináveis (vem daí as depressões e as auto-condenações: "devo ter algum problema se não consigo o que os outros conseguiram"); por outro lado, tudo o que já se conquistou é uma espécie de "até o novo desafio". A angústia resultante permanece em nós enquanto a "liquidez" continua sendo a característica da sociedade. Nossos avós lutaram com valentia pela liberdade. Nós pareceremos cada vez mais preocupados com a nossa segurança pessoal… Tudo indica que estamos dispostos a entregar parte da liberdade que tanto custou em troca de maior segurança.

Isto nos leva a outro paradoxo. Como a sociedade moderna lida com a falta de segurança que ela mesma produz?

Por meio de todo tipo de estratégias, em sua maior parte através de substitutos. Um dos mais habituais é o deslocamento/transferência do terror da globalização inacessível, caótica, descontrolada e imprevisível a seus produtos mais imediatos: imigrantes, refugiados, pessoas que pedem asilo. Outro instrumento é as chamadas "comunidades fechadas", fortificadas contra estranhos, errantes e mendigos -incapazes de deter ou desviar as forças que são responsáveis pelo debilitamento de nossa auto-estima e atitude social que ameaçam nos destruir. Em linhas mais gerais: as estratégias mais utilizadas reduzem-se a substituição de preocupações sobre a segurança do corpo e da propriedade por preocupações sobre a segurança individual e coletiva sustentada ou negada em conceitos sociais.

Há futuro? Existe ao menos no imaginário dos jovens?

O filósofo britânico John Gray disse que "os governos dos estados soberanos não sabem de antemão como irão reagir os mercados (…) Os governos nacionais na década de 1990 estavam às cegas". Gray nos diz que o futuro não supõe uma situação muito diferente. Como no passado, podemos esperar "uma sucessão de contingências, catástrofes e sinais de paz e civilização", todos ele, permita-me agregar, inesperados, imprevisíveis que se farão com vítimas e beneficiários sem consciência e preparação. Há muitos indícios de que à diferença dos seus pais e avós, os jovens tendem a abandonar a concepção "cíclica" e "linear" do tempo e voltar a um modelo "pontilhista": o tempo se pulveriza em uma série desordenada de "momentos",

Fonte: Mercado ético

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