A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das 'Notícias do Dia' publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 11 a 26 de maio de 2010 e a revista IHU On-Line, edição 330, de 24-05-2010. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Sumário: Crise da zona do Euro Eis a análise. Crise da zona do Euro Prolongamento da grande crise que se iniciou em agosto de 2007, a crise da zona do Euro, desatada pelos acontecimentos na Grécia, recolocou na agenda mundial o embate sobre a regulação versus livre mercado. O choque de fundo que se manifesta na zona do Euro é essencialmente sobre a forma de organizar a economia e a sociedade – um embate entre os fundamentos do neoliberalismo e o Estado de Bem-Estar Social – o "modelo social europeu". Novamente, o capitalismo financeiro emerge como o grande protagonista da crise e é em nome dele que se exigem enormes sacrifícios. A resistência dos fundamentos do neoliberalismo, que se julgava debilitado pela grande crise de pouco tempo atrás, dá sinais de que a transição da economia de livre mercado para uma economia regulada poderá ser ainda mais demorada do que se previa. Porém, a maioria dos analistas considera que mais esse round na crise econômica aponta para a insustentabilidade de um sistema ancorado nos interesses e hegemonia do sistema financeiro. A complexidade, entretanto, reside no fato de que para outros, o sistema produtivo e o sistema financeiro se tornaram uma coisa só, ou seja, a ideia de que a excessiva liberalização das finanças, livre de qualquer regulamentação, desgarrada do capital produtivo – o dinheiro que gera dinheiro do nada, descolado da matriz produtiva – estaria na gênese da crise se torna insuficiente para compreender a complexidade da mesma. A novidade residiria no fato de que o que agora precisa ser compreendido é que a financeirização não é mais um processo externo à produção, mas constitui-se, ao contrário, sua forma econômica real. Recolocam-se nesse contexto e nesse debate, já presente no estouro da grande crise de 2007, os rumos do capitalismo mundial. Do ponto de vista imediato, sob a perspectiva européia, têm-se as consequências da crise na manutenção ou a erosão do Estado de Bem Estar Social. Em essência, o que está em jogo é o "modelo social europeu". A crise pode avançar ainda mais na corrosão do Welfare europeu ou estabelecer uma forte resistência: "O que está em jogo agora é o futuro de toda uma forma de organizar a economia e a sociedade", diz Timothy Garton Ash. Esse debate é particularmente importante para o Brasil, ainda mais em um ano eleitoral onde por vezes, os projetos que se apresentam carregam em si as contradições que se manifestam na crise europeia. O paradoxo brasileiro reside naquilo que o sociólogo Werneck Vianna indica como um "desencaixe": a pregação ao mesmo tempo do nacional-desenvolvimentismo como rota a ser perseguida e a aceitação dos imperativos da banca financeira. Os dois caminhos simultâneos são possíveis? A presente conjuntura, tendo presente a repercussão da crise da zona do Euro publicadas nas Notícias do Dia e na revista IHU On-Line da semana, intitulada "A crise da zona do euro e o retorno do Estado regulador em debate", edição n. 330, procura auxiliar numa leitura de sua natureza, implicações para a Europa, para a economia mundial e particularmente para o Brasil. A origem da crise A origem da crise da zona do Euro, que tem seu epicentro na Grécia, tem a ver com o ingresso do país na Comunidade Econômica Europeia (CEE). Como todo país que ingressou no euro, a Grécia teve que, além de cumprir uma série de metas fiscais, monetárias e financeiras, renunciar à possibilidade de emitir sua própria moeda. Esse privilégio ficou nas mãos do Banco Central Europeu (BCE), entidade supranacional que funciona como um banco central independente. O BCE tem como uma de suas regras não financiar déficits fiscais dos Estados membros. Logo, os países ficam seriamente restringidos em suas políticas econômicas pela dificuldade de obter créditos. Encontrar-se-iam nessa situação os chamados países denominados PIIGE (anagrama para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). O mesmo não ocorre, por exemplo, com países que também estão na zona do Euro, mas que optaram por continuar com moeda própria. É o caso da Inglaterra. Segundo o economista Emiliano Libman, a Inglaterra "ao não adotar o euro, manteve sua soberania monetária". Diz ele: "Ao longo da sua história, a dívida pública inglesa chegou até a triplicar o produto e, no entanto, o cessamento de pagamentos jamais se produziu: suas obrigações financeiras vêm sendo pagas pontualmente há séculos. Um Estado soberano que emite dívida principalmente em sua própria moeda, como o inglês, nunca falha. No pior dos casos, paga emitindo sua própria moeda". Segundo o economista, "a grande diferença entre Inglaterra e Grécia é que, diante da grande instabilidade que as decisões de gastos e economias do setor privado produzem, seu Estado pode intervir". A Grécia violou a regra da zona do Euro de que o déficit orçamentário não deveria ultrapassar 3% do PIB do país. Outros países já violaram. Na Grã-Bretanha que, como se disse, não está na zona do euro, esse déficit chega a 13% do PIB. Na Espanha ele chega a 11,2%, na Irlanda a 14,3% e na Itália a 5,3%. O problema da Grécia está no fato de que os seus pares da CEE não enxergam nela forças para sair do "buraco". A receita foi dura: cortes salariais, prolongamento do tempo de trabalho e adiamento das aposentadorias, aumento de tarifas e impostos. A sociedade grega explodiu em manifestações. Ironicamente, a Grécia, ao procurar abrigo na solidez da zona do Euro, encontrou a tragédia. Na opinião de Sami Naïr, "a Europa de Bruxelas e do Banco Central escolheu a saída da crise com a recessão, o desemprego, a deflação salarial e não com uma estratégia keynesiana de criação massiva de empregos e de uma política europeia solidária de crescimento compartilhado". Segundo o economista, a Grécia é apenas o primeiro elo da corrente e um "teste" que põe à prova a solidariedade e a capacidade da resistência europeia. Toda a zona do Euro passou a correr risco. A tal ponto que o prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, chegou a anunciar que o desfecho da crise poderá até resultar no fim do Euro. Algo semelhante pensa o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, para quem "o euro está enfrentando uma crise estrutural que não põe em jogo a União Europeia, mas põe em risco sua própria existência. Dependendo de como se desenrolar a crise, alguns países poderão voltar a suas moedas nacionais ou, o que é mais grave, o euro poderá se tornar inviável para todos". Na análise de Timothy Garton Ash a receita pode ser amarga. Segundo ele, "ou a zona do euro avança para uma união fiscal, com maior perda de soberania para os Estados-membros e reduções drásticas de déficit impostas por essa limitação externa, ou alguns Estados-membros mais fracos dão o calote, seja dentro da zona do euro ou abandonando-a por completo. Nesse ponto, o capital foge, ainda mais do que já está fazendo, do fraco para o forte: isto é, da zona do euro para algum outro lugar e, dentro da zona do euro de hoje, para a Alemanha". Essa é uma alternativa, de corte conservador. A outra, é a zona do Euro reorientar sua política econômica comum e "deixar que o neoliberalismo morra com o euro", como diz Marshall Auerback, analista econômico dos EUA e membro conselheiro do Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt. Segundo ele, "o cúmulo da ignorância econômica é propor a destruição dessa rede de seguridade social a partir de uma extrapolação das lições equivocadas proporcionadas pelos problemas particularíssimos em que a própria Zona do Euro se meteu". Nesse sentido é interessante a análise do economista Heiner Flassbeck, ex-vice-ministro das Finanças da Alemanha e personagem do establishment econômico da CEE, ao afirmar que "a Alemanha - e não Grécia, Espanha ou Portugal - é a principal fonte de desequilíbrio estrutural na região do euro". Segundo ele, "ao praticar arrocho salarial nos últimos dez anos, com aumento real de apenas 4% no período, muito abaixo do crescimento da produtividade, a Alemanha passou a comprar menos e aumentou ainda mais a competitividade de seus produtos em relação aos dos demais países da zona do euro. Como a moeda única impede que os vizinhos mexam no câmbio para estimular suas exportações, eles passaram a ter déficits comerciais e em conta-corrente (saldo de todo o dinheiro que entra e sai do país), enquanto a Alemanha acumula superávit". O economista chama a atenção para o fato de que "não há outro modo para o mundo elevar o bem-estar do que subindo salários de acordo com a produtividade". Algo que a Alemanha não fez. Na opinião de Heiner Flassbeck, a receita recessiva está errada. Segundo ele, "essa recomendação reflete o pensamento econômico convencional, de que ter salários flexíveis, principalmente para baixo, resolve tudo. Foi o dogma que a Alemanha seguiu e que nos trouxe à situação atual". O problema fiscal faz parte da batalha ideológica, diz ele: "Isso é parte da batalha ideológica. As pessoas agora dizem que o governo é o problema, e não que resolveria todos os problemas, como se dizia há dois anos. Mas os que devem ser culpados pela confusão em que estamos são os mercados financeiros. Os neoclássicos querem usar esse argumento [problema fiscal] para voltar à batalha e talvez serem os vitoriosos no fim. Então declaram os governos falidos, o que é falso: nenhum governo agora está falido, e os problemas podem ser resolvidos. Os mercados dizerem que não querem dar dinheiro aos governos é ridículo, porque tiveram dinheiro deles e agora se recusam a pagar." A reflexão do economista alemão é acompanhada por Luiz Carlos Bresser-Pereira. Segundo ele, "o verdadeiro e grande problema é o desequilíbrio das contas-correntes entre os países europeus, é o endividamento crescente do setor privado de um grande número de países e o crédito de outros, principalmente da Alemanha. É um desequilíbrio que pode decorrer de gastos excessivos de outros países, mas é principalmente consequência da poupança alemã: da estagnação dos salários, não obstante o aumento da produtividade, e, em consequência, da redução do custo unitário da mão de obra em cerca de 20% nos últimos dez anos, enquanto nos outros países europeus esse custo unitário permanecia constante ou mesmo aumentava". Continua Bresser-Pereira: "Os trabalhadores alemães aceitaram a redução relativa de seus salários para enfrentar a concorrência do trabalho barato da Ásia e assim salvar seus empregos. O governo alemão, por sua vez, implementou uma série de reformas reduzindo direitos trabalhistas que contribuíram para que essa redução relativa de salários fosse possível. Enquanto isso, os demais países europeus não lograram replicar essa política. O que é, aliás, compreensível; é preciso um povo disciplinado e austero como é o povo alemão para aceitar uma política econômica". "O problema – diz Bresser – não seria estrutural se não existisse o euro. Se cada país continuasse com sua moeda nacional, a desvalorização cambial seria uma solução para os países deficitários. Foi o que aconteceu com o Reino Unido, que não está no euro". A Alemanha, a partir dessa análise, é uma das grandes responsáveis pela crise do euro. E, então, a quem agora o plano de resgate resgata? "Claramente, nem os que continuarão engrossando as taxas de desemprego, nem os que verão seus salários serem congelados até 2014, nem os trabalhadores cujas condições trabalhistas serão flexibilizadas para, claro está, facilitar a possibilidade de sua demissão, nem os que verão suas pensões serem reduzidas, nem os que pagarão dois pontos percentuais a mais de IVA", afirma o economista Ramiro Manzanal. A receita para a Grécia, caso aplicada com rigor e estendendo-se em efeito dominó, ameaça uma das conquistas históricas do velho continente: o Estado de Bem Estar Social. Com a explosão dos déficits nas contas públicas, os países da União Europeia (UE) ameaçam reduzir drasticamente os benefícios sociais, deixando para o segundo plano suas tradicionais políticas que valorizam o bem-estar social da população. Alguns afirmam que não há outro caminho. "O Estado social precisa ser reformado", diz o economista Rainer Münz encarregado de um grupo de pesquisa sobre as perspectivas futuras da União Europeia (UE), ao destacar que a crise do euro é mais uma manifestação da tendência da queda do peso da Europa. O economista Meinhard Miegel concorda ao destacar que a Europa sofre a crise da globalização desde que os centros de produção industrial foram transferidos para os países emergentes, sobretudo a Ásia. Ele aponta o combate ao desemprego em toda a Europa como a melhor medida de combate ao endividamento: "A Europa nunca mais vai voltar a ser o centro de crescimento mundial. Para sobreviver, o Estado social precisa ser reformado", diz Miegel, afirmando que os europeus precisam aprender a viver com menos. Estado do Bem-Estar Social ameaçado? A maioria dos entrevistados na revista IHU On-Line acredita que a Europa do Bem-Estar Social resistirá e que as teses da necessária e indispensável regulação do Estado na economia ganharão força com o desfecho da crise. Foram entrevistados pela revista os economistas Reinaldo Gonçalves, Rubens Ricupero, Luiz Gonzaga Belluzzo, Fernando Ferrari, Fernando Cardim de Carvalho e o sociólogo James Petras. Os entrevistados debatem que tipo de capitalismo sairá da crise, se um capitalismo mais regulado e sob o controle da sociedade ou se um capitalismo desgarrado de quaisquer mecanismos de contenção. Na opinião do economista Reinaldo Gonçalves, "no horizonte previsível o capitalismo não sofrerá transformações importantes. A questão da regulação/intervenção versus livre mercado está na própria origem do sistema. Esta é, de fato, uma questão pendular. Segundo ele, "em fases ascendentes do ciclo econômico o capital pressiona e obtém maior liberdade de atuação e nas fases descendentes o Estado, atendendo às pressões dos trabalhadores, à própria necessidade de governabilidade e aos interesses do grande capital, passa a ser pró-ativo na intervenção, protecionismo e regulação". Para o economista da UFRJ, "no processo de proteção frente ao 'moinho satânico' do mercado, o Estado protege o grande capital nacional. Portanto, no horizonte de curto e médio prazo haverá pressão e implementação de medidas de intervenção, proteção e regulação; porém, quando o espectro de crise desaparecer do cenário, retorna a pressão para a liberalização, desregulamentação e privatização. Em outras palavras, o capital tem como um dos seus 'pecados originais' a síndrome da privatização dos benefícios (próprios da fase ascendente do ciclo econômico) e da socialização dos prejuízos próprios das crises econômicas", diz ele. O economista Rubens Ricupero acredita que como resultante da crise, a economia passará a ser mais regulamentada pelo Estado, o que, como diz ele, já estamos vendo tanto na Europa como nos Estados Unidos. "As regras serão mais severas e, sobretudo o setor financeiro, que havia adquirido uma influência desproporcional nos últimos tempos, vai ter a sua liberdade de ação mais limitada. Provavelmente, essa tendência será menos acentuada nos Estados Unidos, onde o setor financeiro tem muita força política no congresso e pode, muitas vezes, neutralizar os desejos do Executivo", afirma Ricupero sobre o futuro do capitalismo. Em sua opinião, a crise da zona do Euro não terá forças para desmantelar o estado de bem-estar social: "Não creio que se chegue a isso. Pode haver um enfraquecimento temporário em um país ou outro. Mas ainda se está muito longe de atingir o estado de bem-estar social como um todo", diz Ricupero. Segundo o ex-secretário-geral da UNCTAD, "os países do norte da Europa, como a Alemanha, Países Baixos, Holanda, Dinamarca e Suécia, estão muito sólidos, e, em nenhum deles, há qualquer sinal. Um dos problemas básicos da crise da zona do Euro é justamente o contraste marcante entre o norte da Europa, que sempre foi o núcleo mais importante da unificação, e o extremo sul, que é o mais atingido". O economista Fernando Ferrari, outro dos entrevistados pela IHU On-Line, destaca que "as críticas que se fazem ao sistema de proteção social não são somente à Europa, mas às economias de bem-estar social (ou daquilo que ainda restou) como um todo, são críticas daqueles que entendem que deve haver um Estado Mínimo, responsável somente pela segurança e aos direitos à propriedade privada". Ele explica que Estado e mercado são duas instituições interdependentes: "o mercado somente funciona com a 'mão visível' do Estado". Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo é muito cedo para predizer a configuração do capitalismo a partir da crise do Euro, e o economista incorpora um elemento importante nessa equação. Segundo ele, "o que está claro é que o tipo de capitalismo que vai surgir dependerá muito da luta social, da formação do imaginário popular, que, na verdade, não depende muito dos iluminados, mas da capacidade de informação e compreensão do que realmente aconteceu. Isso vai se formar na luta política", diz Belluzzo. Aliás, luta social que já começa a irromper em toda a Europa. O economista, porém, arrisca um palpite: "O que posso antever é que esse capitalismo dos últimos 30 anos, sobretudo desde a desfiguração do estado do bem-estar na Europa e do avanço do projeto neoliberal, é um modelo que terminou. Talvez as forças que o sustentam vão tentar mantê-lo ainda na UTI, mas ele não vai conseguir sobreviver, pois não tem viabilidade, não há compatibilidade com as promessas de vida boa e decente para todos os cidadãos, portanto, de manutenção e garantia dos direitos de cidadania, que foram conquistados a ferro e fogo nos anos 20, 30 e 40, depois de duas guerras mundiais. Isso não foi dado de graça, mas instituído e universalizado para os países desenvolvidos nos anos 50 e 60. Esse estilo de sociedade, de vida e de convivência foi progressivamente sendo deformado pelo avanço do projeto neoliberal". Para Belluzzo, "esse momento da vida do capitalismo terminou. O que vai ficar no lugar é muito difícil de projetar, mas, certamente, teremos mudanças importantes. Mesmo os governos mais conservadores veem, no predomínio do capital financeiro, um dos fatores dos desequilíbrios. Isso está claro. Provavelmente, a finança, como uma instância coletiva da vida econômica (porque é a gestão de massas de recursos que pertencem a muitos, envolve a gestão do crédito, que, na verdade, é uma incumbência privada de um bem público), passará a ser fortemente regulada pelo Estado, se é que não vai ocorrer uma crescente estatização dessas relações para que o próprio mercado possa sobreviver", atesta ele. Ainda segundo o economista, "o que está em risco nesse momento - e a crise europeia mostra isso com muita clareza - é a infraestrutura do mercado, constituída pelo crédito e pela questão da riqueza monetária e financeira. Essa infraestrutura está colocando em risco o funcionamento do mercado, da oferta de trabalho, da demanda de bens etc. E a manutenção dessa relação de domínio pode jogar a sociedade numa crise muito prolongada". A possibilidade de aumento de conflitos sociais sugerida por Belluzzo é destacada por outro entrevistado da IHU On-Line, o sociólogo James Petras. Segundo ele, "estamos percebendo, nos Estados Unidos e no norte da Europa, mas, particularmente, na Grécia, Espanha e Portugal, um processo de reversão dos ganhos sociais, isso é um efeito dominó em que as tentativas dos governos para impor o custo da crise na classe trabalhadora, nos sindicatos, causam um efeito profundo nos padrões de vida. Eu não consigo ver como isso pode não acabar aumentando os conflitos sociais. Agora, os principais conflitos estão nas áreas diretamente afetadas", diz ele. Petras comenta que "na Espanha, há sinais de greve geral. Em Portugal, os sindicatos rejeitaram o plano de Sócrates, de cortes nas áreas sociais. E eu acho que há uma possibilidade de que, de acordo com os desdobramentos de programas como estes, no restante da Europa, as relações de capital de trabalho serão afetadas num futuro não tão distante". O sociólogo americano comenta que a crise atesta ainda a falência da denominada terceira via: "Penso que a terceira via já chegou ao seu limite, especialmente na Europa e particularmente onde tudo começou, na Inglaterra". Segundo Petras, "vimos a saída do Partido Trabalhista e o colapso bancário do sistema financeiro. A terceira via não era realmente uma terceira via. Era uma forma de liberdade de mercado capitalista com aumento nos gastos sociais, sem a realização de mudanças estruturais". Sobre o papel do Estado e sua intervenção para coibir e regular as distorções do mercado financeiro, Petras é cético: "As pessoas dizem que o Estado está mais envolvido agora do que esteve no passado, e isso é diferente. Mas temos que nos perguntar: que tipo de aumento na intervenção do Estado? Existe qualquer reequilíbrio da economia entre finanças e produção, indústria etc.? Não há qualquer reequilíbrio, mesmo nos Estados Unidos ou na Europa. Há mais intervenção do Estado, mais gastos estatais, mas estão sendo canalizados para as classes que criaram a crise". O Brasil e a crise da zona do Euro 'Algo não se encaixa' Pode o Brasil tirar lições da crise da zona do Euro? Na recente crise que tomou conta do mundo, o Brasil gabou-se de ter sido pouco atingido. Lula não cansava de repetir que o país foi o último a sentir os efeitos da crise e o primeiro a sair dela. Com a crise do Euro, o governo tem repetido o mesmo, de que os fundamentos da economia brasileira são sólidos e não há o que temer. Com projeções que apontam alta de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, o país sente-se blindado. A crise da zona do Euro, entretanto, indica em seu interior contradições que o Brasil também vivencia. A simultaneidade de políticas de Estado e de mercado entrou em choque. Na Europa, ao menos até o momento, a economia de mercado tem levado a melhor e sobrou para a área social. Quem chama a atenção para o possível contra-senso que vive o Brasil é o sociólogo Werneck Vianna. Segundo ele, tomando como referência o debate econômico eleitoral "algo não se encaixa". Diz ele: "As diferenças [programa de governo] se resumiriam a questões operacionais na condução da economia, como, por exemplo, na questão de juros e no grau de relativa autonomia a ser desfrutada pelo Banco Central diante das autoridades governamentais. Serra, como Aécio Neves preconizava, não seria um candidato de oposição, definindo-se como um pós-Lula. Dilma, por sua vez, seria Lula como um outro corpo do Rei, em vigília fiel de quatro anos à espera que seu verdadeiro titular reocupe seu lugar. Nesse jogo de simulações, o que importa, para uma candidatura, é a herança da popularidade de Lula, e, para a outra, não confrontá-la. Não importa que o cenário do mundo esteja mudando à frente de todos, como bem atesta a profundidade da crise da União Europeia, logo em seguida à crise financeira de fins de 2008. Como que indiferente a ele, a pauta dos candidatos segue obedecendo aos cálculos do marketing político". Alerta Werneck: "Mas há algo nesse enredo que não encaixa. Se Dilma pode ser eleita pelo lulismo, não poderá governar com ele, na medida em que ele é atributo intransferível do carisma do seu inventor. Ela terá de governar com o PT e com a coalizão política que a eleger, na qual está o PMDB, com um dos seus cardeais instalado na Vice-Presidência da República. Por outro lado, o bordão nacional-popular não é próprio para a nova inscrição internacional do país e para as aspirações de projetar o capitalismo brasileiro na economia-mundo, que requer uma gramática dominada pelo pragmatismo". "Uma indicação disso, diz o sociólogo, está nas abdicações de José Eduardo Dutra presidente do PT, e de Antonio Palocci, um condestável da política econômica, das suas pretensões eleitorais a fim de assumirem posições de comando na campanha eleitoral de Dilma. Caso ela seja eleita, não há outra leitura possível, ambos serão guindados ao seu ministério, além, é claro, do Henrique Meireles. De outra parte, Serra, mesmo que não confronte com o governo atual, para que seja um candidato competitivo, terá de sustentar outro andamento à história em que estamos há 16 anos envolvidos, apresentando alternativas persuasivas que garantam continuidade a ela, em especial em matérias como a da questão social e a do crescimento econômico. Nessa agenda, deve ser incluída a valorização de uma vida civil ativa e autônoma, uma vez que não são compatíveis com a nova democracia política brasileira as tendências que aí estão de estatalização dos movimentos sociais, inclusive dos sindicatos". Arremata Werneck: "Noutra ponta: o nacional-desenvolvimentismo, com seus imperativos políticos de projeção do poder nacional, pode encontrar lugar em uma economia conduzida pelo eixo Henrique Meirelles-Antonio Palocci? Qual a dialética que poderá sustentar a política externa atual com as necessidades, a essa altura inarredáveis, do país ocupar uma posição entre os grandes do mundo? As demandas pelas reformas trabalhista e previdenciária, desejadas pelo empresariado, como se haverão com a resistência dos sindicatos, hoje, em franco processo de recuperação da sua força de outrora? Lula, no seu tempo, que já não é o de agora, pôde conciliar esses antagonismos. Alguém mais pode?". A intuição de Werneck Vianna é sugestiva porque remete para as contradições de um projeto que se quer nacional-desenvolvimentista, mas ao mesmo tempo flerta fortemente com os interesses do mercado financeiro. Flerte esse que ficou evidente nesses dias nas andanças de Dilma Rousseff por Nova York e no seu encontro com investidores e banqueiros. "Ela (Dilma) falou exatamente o que a gente queria ouvir. Não poderia ser melhor", disse um deles. William Landers, diretor do Blackrock, foi na mesma linha: "O que a Dilma falou na apresentação foi bem em linha com o que ouvimos do Palocci dias atrás". "Parece que ela foi bem instruída por Palocci sobre o que o mercado queria ouvir", disse outro diretor de risco de um banco americano. Ainda sobre a crise da zona do Euro e suas lições para o Brasil, o economista Reinado Gonçalves destaca que, "quanto ao presente e ao futuro do Brasil, a questão-chave é, mais uma vez, o passivo externo. A estratégia e a política econômica do governo Lula têm implicado um crescimento do passivo externo do país. Déficit de transações correntes de US$ 60 bilhões em 2010 significa aumento não desprezível do passivo externo. Esta é uma cessão de direitos que envolvem fluxos de pagamento de juros, lucros e dividendos. Durante o governo Lula, houve crescimento elevado do passivo externo e destes fluxos e, portanto, maiores necessidades de financiamento externo. Este é um problema estrutural e, certamente, fará parte da 'herança maldita' do governo Lula". Gonçalves chama atenção para outro elemento: "Cabe, ainda, chamar atenção para riscos futuros, associados aos megaprojetos de gastos públicos relacionados a eventos como Copa do Mundo de futebol, em 2014, e Olimpíadas em 2016. Parte da crise da Grécia é explicada pelos gastos extraordinários provocados pelas Olimpíadas em Atenas, em 2004. Em sociedades com frágil institucionalidade, megaprojetos são o fértil campo de cultivo de práticas de corrupção e da incompetência. Há alta probabilidade que o Brasil cometa os mesmos erros dos gregos (endividamento interno e, principalmente, externo) que quebrarão as finanças públicas e o sistema financeiro brasileiro no pós 2014-16! Fica o alerta porque a consequência é o país entrar em mais uma longa trajetória de instabilidade e crise". Conjuntura da Semana em frases Como Deus? "Esta é a primeira espécie viva do planeta Terra que tem um computador como pai" - Craig Venter, cientista, anunciando a célula síntética - La Repubblica, 21-05-2010. Música para os ouvidos "Ela (Dilma) falou exatamente o que a gente queria ouvir. Não poderia ser melhor" – investidor estrangeiro, em Nova York, após ouvir o discurso de Dilma Rousseff – Valor, 24-05-2010. "O que a Dilma falou na apresentação foi bem em linha com o que ouvimos do Palocci dias atrás" – William Landers, diretor do Blackrock – Valor, 24-05-2010. Coalizões de poder "A beatificação de Lula e a indiferenciação ideológica destes tempos produziram uma disputa eleitoral em que o conflito não passa da picuinha. Em que as possíveis diferenças de programa e coalizões de poder agora são escondidas até das elites econômica, política e cultural, irrelevantes em termos de votos" – Vinicius Torres Freire, jornalista – Folha de S. Paulo, 23-05-2010. Despolitizada "A campanha de 2010 está com jeito de ser, no entanto, a mais despolitizada e intelectualmente vazia da história moderna do país" – Vinicius Torres Freire, jornalista – Folha de S. Paulo, 23-05-2010. Dilma "Vou votar na Dilma porque é a candidata do Lula e eu gosto do Lula. Mas, a Dilma ou o Serra, não haveria muita diferença. Não vai fugir muito do que está sendo traçado aí" – Chico Buarque, cantor e compositor – Folha de S. Paulo, 23-05-2010. Sério "Embora haja diferenças de programa e de candidatos, é muito difícil para quem ganhar as eleições mudar o Brasil a ponto de voltar a ser o que era antes. O Brasil aprendeu a ser sério" - Luiz Inácio Lula da Silva, "A Marina Silva era minha ministra de Meio Ambiente até outro dia. O José Serra, embora seja do PSDB, é amigo de todo mundo aqui" - Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, demonstrando que o Brasil é um país sério - O Estado de S. Paulo, 20-05-2010. "Nunca estivemos em um processo eleitoral tão tranquilo como o de agora, sem nenhum jornal e nenhum empresário com medo de quem vai ganhar" - Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República - O Estado de S. Paulo, 20-05-2010. Marina e FHC "Fui contra a privatização, mas hoje vejo que o princípio foi correto e a mudança positiva" – Marina Silva, candidata à presidência da República – PV – defendendo as privatizações do governo FHC – O Estado de S. Paulo, 21-05-2010. DIlma e Lula "A Dilma vai seguir o Lula. Ela não é nem Mantega e nem o Palocci. Dilma é pragmática como o presidente. Prova disso é que ela sempre foi desenvolvimentista, mas nunca você a viu criticar os juros" - Cândido Vaccarezza, deputado federal - PT-SP -, líder do governo – O Globo, 16-05-2010. Dilma e a esquerda "A Dilma é uma mulher de esquerda, mas o governo não vai ser de esquerda. Tudo vai depender da dinâmica da realidade. O que vai definir sua política serão as circunstâncias reais da economia. Haverá momentos em que vai poder ser mais desenvolvimentista e pôr o pé no acelerador. Mas haverá momentos em que isso não será possível" - José Eduardo Dutra, presidente do PT e coordenador da campanha de Dilma – O Globo, 16-05-2010. Princesa "O PT colocou Dilma no papel de princesa (no programa de TV). De roupa vermelha e brincos de pérola, ela parecia a Branca de Neve. É uma construção muito bem feita de personagem - um personagem de continuação, como evidencia a ênfase dada ao que ela fez no governo" - Ruy Lindenberg, vice-presidente da Agência de Publicidade Leo Burnett – O Estado de S. Paulo, 14-05-2010. Acima "Lula está acima do bem e do mal. Não me compare a ele" – José Serra, candidato à presidência da República – PSDB – O Globo, 14-05-2010. Chama o Lula! "Seu vizinho está causando problemas? DiskLula e ele intermediará o conflito!". Meu vizinho tá jogando casca de banana no meu quintal. Chama o Lula! Minha sogra usou o banheiro e não deu descarga. Chama o Lula! Minha mulher tá dando pra outro. Chama o Lula! Entrou em conflito com o síndico? Chama o Lula!" - José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 19-05-2010. Lula na ONU "O presidente Lula tem um capital político tão importante no mundo que seria um grande desperdício não aproveitá-lo" – José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, defendendo a candidatura de Lula a secretário-geral da ONU – Folha de S. Paulo, 16-05-2010. Liderança "Lula tem um grande carisma e o Brasil uma grande liderança, e nós não temos nenhum problema em reconhecer isso" – Felipe Calderón, presidente do México – El País, 14-05-2010. Chalita e Dilma "Gabriel Chalita, que tem ajudado a fazer a ponte entre Dilma Rousseff e a Igreja Católica, será convidado a assumir um papel formal na campanha da ex-ministra, tanto nessa área quanto no capítulo do programa de governo relativo à educação, que esteve sob seu comando em São Paulo durante a gestão de Geraldo Alckmin" – Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 24-05-2010. Bom enquanto durou! "O casamento Igreja-PT produziu bons resultados à época em que a parceria se justificava e quando os conflitos entre as agendas cristã e marxista podiam ser evitados. "Foi bom enquanto durou", sintetiza um parlamentar petista" - João Bosco Rabello, jornalista – O Estado de S. Paulo, 16-05-2010. PT e a Igreja "O PT não teria existido sem a ajuda de milhares de padres e comunidades cristãs do Brasil, ele deve muito ao trabalho da Igreja, à teologia da libertação, aos padres progressistas. Tudo isso contribuiu para minha formação política, a construção do PT e minha chegada ao poder. Minha relação pessoal com a Igreja Católica foi e continua sendo muito forte, mas somos um país laico, tratamos todas as religiões com respeito" – Luiz Inácio Lula da Silva, da República – El País, 09-05-2010. Lula e o seminarista "Este aqui era seminarista, ia ser padre, e abandonou tudo para entrar no PT, para trabalhar comigo" - Luiz Inácio Lula da Silva, da República, referindo-se a Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete – El País, 09-05-2010. Creolina "Nós vamos lavar a estrela do PT com creolina para tirar a catinga dos Sarney" - Domingos Dutra, deputado federal - PT-MA – convocando para um ato público – O Estado de S. Paulo, 19-05-2010. !?! "Não há nada mais socialista do que a empresa moderna, do que o empresário moderno, o empreendedor de uma instituição social, que vai dar emprego, dignidade às pessoas" – Paulo Skaf, presidente da FIESP e pré-candidato ao governo de S. Paulo – PSB – O Estado de S. Paulo, 21-05-2010. Ah! bom! "Sempre fui socialista. O socialismo prega igualdade de condição e já batalhei pelos meus companheiros. Cheguei a brigar com dirigentes para que meus amigos recebessem salário em dia" – Romário, jogador de futebol, candidato a deputado federal pelo PSB – O Estado de S. Paulo, 12-05-2010. Descrença "Não pretendo participar de campanhas. Não acredito nesse sistema político e não milito no PV ou em partido algum" – Lucélia Santos, atriz – Folha de S. Paulo, 23-05-2010. Biodiversidade e economia "A humanidade criou a ilusão de que podemos seguir sem a biodiversidade, que ela é periférica ao nosso mundo contemporâneo, quando a verdade é que precisamos cada vez mais dela, num mundo que caminha para ter 9 bilhões de habitantes" - Achim Steiner, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - O Estado de S. Paulo, 21-05-2010. Belo Monte e o Programa do Ratinho "É claro que muitos espécimes vão sucumbir, milhares, se não milhões de formigas, carunchos e talvez até alguns mamíferos. Em compensação, 20 milhões de brasileiros poderão ter luz em suas casas, muitos outros locais passarão a ter benefícios do progresso, poderão ver pela TV o "Programa do Ratinho" – Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico – Folha de S. Paulo, 19-05-2010. Ignocentes "Não percebem esses "ignocentes" que a usina (Belo Monte) e suas eventuais congêneres constituem a melhor arma que têm o Brasil e a humanidade para combater o aquecimento global e, com isso, defender a integridade da floresta Amazônica e das demais matas de todo o planeta?" – Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico – Folha de S. Paulo, 19-05-2010. Terceirização "Existe um vácuo. Os pais têm se omitido bastante e estão terceirizando a educação dos filhos. Dizem que ela é função da escola, e a escola responde que é função dos pais. É um grande impasse. Brinco que vai acabar sendo a polícia, quando o filho chegar na adolescência" – Tania Marques, doutora em Educação e professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFRGS – Zero Hora, 24-05-2010. Bullying "O bullying é democrático. Acontece tanto na escola particular quanto na pública. O que faz uma escola ser boa é como ela vai lidar com o bullying" - Ana Beatriz Barbosa Silva, psiquiatra – O Estado de S. Paulo, 23-05-2010. Pedra cantada "Era pedra cantada: começou a farra das obras sem licitação, com a desculpa de que está tudo atrasado, para a Copa do Mundo no Brasil" – Juca Kfouri, jornalista – Folha de S. Paulo, 20-05-2010. O cara quer rezar... é difícil! "De vez em quando, não só os baladeiros exageram, mas também os da igreja. O cara quer rezar de tarde, de manhã, de noite. É difícil" - Andres Sanchez, presidente do Corinthians - Folha de S. Paulo, 24-05-2010. Dunga é pinto "Para escapulir ao cerco da imprensa, Maradona atropelou um cinegrafista da TV argentina. E tem jornalista brasileiro - ô, raça! - que ainda reclama do Dunga. Francamente!" - Tutty Vasques, humorista - O Estado de S. Paulo, 21-05-2010. Calma, gente "Nem Pato, nem Ganso... Deu é burro!" - de um sujeito enfezado, ontem, ao ver a lista de Dunga na TV de um bar em Copacabana – O Globo, 12-05-2010. Pênaltis "Com essa escalação é melhor começar a treinar a bateção de pênaltis!" – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 13-05-2010. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br, 26 de maio de 2010. CÁRITAS DIOCESANA CAXIAS DO SUL |
27 de mai. de 2010
Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 11 a 26 de maio de 2010
21 de mai. de 2010
Análise das Pastorais Sociais
CNBB e o Pêndulo para a Direita "A Era Lula dividiu as pastorais sociais e a CNBB de Dom Helder Câmara. Várias pastorais ancoradas na Teologia da Libertação resolveram romper com a proximidade com o governo federal", escreve Rudá Ricci, sociólogo, diretor Geral do Instituto Cultiva e membro da Executiva Nacional do Fórum Brasil do Orçamento, em artigo que recebemos e publicamos. Eis o artigo. 1. Breve periodização: a CNBB engajada 1952. Este foi o ano em que os 20 arcebispos do episcopado e o Núncio Apostólico aprovaram o regulamento que criava a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O Cardeal Carlos Carmelo, de São Paulo, era aclamado seu primeiro presidente, tendo ao lado, como secretário-geral, Dom Helder Câmara. A CNBB nasceu das mãos de Dom Helder. Desde o início, a CNBB vivenciou a marca do acordo interno. Em 1965, Dom Helder vai para Recife, se tornando arcebispo. As conversas de corredor davam conta que sua transferência tinha como objetivo central diminuir a capacidade de influenciar os bispos do país com suas idéias progressistas, como as de Maritain e Mounier. A partir de 1961, três padres da Cáritas Brasileira elaboram uma campanha para arrecadar fundos para ações assistenciais. Logo, recebeu o nome de Campanha da Fraternidade. A partir de 1964, as campanhas passaram a receber o tom da CNBB, que passou a orientá-la tendo como referência o documento "Campanha da Fraternidade: pontos fundamentais apreciados pelo Episcopado em Roma". Não por coincidência, as suas 13 regionais ganham maior autonomia, procurando adaptar as ações à realidade local. A Campanha da Fraternidade teve um significado especial durante os anos de chumbo, assumida como atividade evangelizadora, como ajuda entre cristão e fraternidade para transformação da sociedade. A relação direta entre ação da igreja e participação social na transformação social era um sinal claro dos ventos do Concílio Vaticano II. Uma rápida lembrança dos temas da Campanha revela seu compromisso político. A primeira fase, que compreende os anos de Entre 1975 e 1980, emergem as Comunidades Eclesiais de Base e o trabalho das pastorais sociais como espaços de reflexão crítica sobre a realidade social e os rumos políticos do país. Neste período são contabilizadas mais de 60 mil CEBs espalhadas pelo país. Em 1975 é criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão vinculado à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. A CPT nasce durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela CNBB e realizado em Goiânia, até hoje local da sede nacional desta pastoral. Desde o início, a marca desta pastoral foi o acolhimento e organização dos povos excluídos do campo, das regiões de fronteira agrícola, ribeirinhos afetados por projetos governamentais que levavam à sua desapropriação, luta de assalariados rurais sem reconhecimento legal (caso dos canavieiros e seringueiros). O trabalho das pastorais sociais diretamente vinculadas ao mundo do trabalho (caso da CPT e da Pastoral Operária) e, mais adiante, da institucionalização de direitos de segmentos socialmente desassistidos (caso da Pastoral do Menor), foi gerando uma gama imensa de organizações políticas locais, muitas delas orientadas pelo signo do enfrentamento e resistência. Em 1980, não por outro motivo, o texto produzido na 18ª Assembléia da CNBB, realizada em Itaici (SP) trabalhava os vários significados da terra para homens e mulheres. Destaca que homens e mulheres do campo estabelecem com a terra uma relação diferente da lógica dos grandes mercados. Um documento que contrapunha a lógica do mercado à lógica da vida, uma importante tentativa de teorização que criava subsídios e fundamentação para muitos agentes pastorais que ingressavam em listas de jurados de morte formatadas por organizações para-militares. Dez anos depois, em 1996, o Grito dos Excluídos passa a ser incluído no Projeto da CNBB, fruto da avaliação feita a partir de sua primeira edição no ano anterior. Contudo, neste período, as pastorais sociais e várias organismos de base criados pela CNBB ou sob sua guarda, sofriam uma profunda crise, de identidade, política e de financiamento. 2. A crise dos organismos pastorais Comecemos pela crise de identidade. A partir da emergência de organizações nacionais próprias das populações ou segmentos sociais acolhidos, apoiados, assessorados e organizados pelas pastorais sociais, a função e missão dessas estruturas confessionais entraram A questão que figurou, a partir de então, em todos encontros pastorais passou a ser: "qual nosso papel?". Não tão explícito, outro problema incomodava vários agentes pastorais: como sobreviveriam com a escassez progressiva de financiamentos? Estas duas questões articulavam-se permanentemente. Até os dias atuais, não foram respondidas à contento, o que promove uma rotatividade de apoiadores e agentes ano após ano. Em cada encontro anual, novos rostos substituem outros tantos que estiveram presentes no ano anterior. Debates sobre o futuro, se ONGs ou articulações nacionais, se formadores de lideranças ou formuladores de políticas públicas, se sucedem, sem resolução nítida. Algumas pastorais sociais minguaram. Outras, mais pragmáticas e conservadoras, como a Pastoral da Criança, floresceram sob os auspícios de verbas públicas. Simultaneamente, a ofensiva conservadora do Vaticano, a partir da gestão de João Paulo II, criou forte instabilidade interna na CNBB. Um jogo de forças, no interior da igreja católica brasileira, com troca de bispos e nomeação de arcebispos de linhagem mais conservadora, fechamento de seminários. Dom Helder foi símbolo desta mudança. Sua aposentadoria foi apontada por seus seguidores como dolorosa. O novo arcebispo de Recife rompeu radicalmente com o trabalho pastoral até então desenvolvido naquela localidade. Enfim, a mudança ideológica no Vaticano resultou em uma crise política no interior da CNBB que se expressou abertamente nesta 48ª Assembléia Nacional dos bispos brasileiros, realizada em meados de maio de 2010. No princípio, em meados dos anos Estudos sobre cooperação de países ricos para programas e intervenção social no hemisfério sul (ajudas ao desenvolvimento) revelaram corte em 50% desses recursos provenientes do Japão, Finlândia e Suécia no início dos anos 1990. Outros países, muito atuantes junto às ONGs e organismos de promoção social do Brasil, como Itália, Holanda, Alemanha e França, seguiram o mesmo caminho. Das fontes financiadoras que permaneceram, emergiu uma série de condicionantes desconhecidos até então dos agentes sociais e pastorais brasileiros, como eficiência e eficácia, indicadores de resultados, planejamento estratégico e sistemas de gerenciamento por objetivos. Em 2009, um novo corte de 50% de apoio financeiro para tais ações havia sido verificado pelo Instituto Fonte a partir de amostra junto a 41 organizações estrangeiras com atuação no Brasil (sendo que 15% dessas organizações projetam retirada completa de seus investimentos no Brasil a partir de 2015). Se nos anos Trata-se, portanto, de um percurso de rareamento de financiamento externo que teve início nos anos 1990 e atinge brutalmente a logística e sustentabilidade de muitas das organizações pastorais, mais progressistas, do Brasil. A igreja católica brasileira sempre teve em sua cúpula setores mais conservadores. Dos anos de chumbo da política brasileira até meados dos anos 1990, tivemos um interregno desta lógica política que oscilava entre a caridade e o apoio explícito às forças políticas de direita. Há inúmeros registros a respeito, a começar pelo incentivo que a cúpula católica conferiu aos Círculos Operários, organização de enfrentamento do avanço comunista sobre organizações trabalhistas. Também são registrados os esforços de criação de organizações de ajuda mútua e caridade no meio rural nordestino, como enfrentamento às Ligas Camponesas. Logo após o golpe militar de A partir da segunda gestão do governo Lula, alguns impactos sociais e políticas do governo federal alteraram significativamente o equilíbrio interno das forças políticas da CNBB. Uma mudança, no jargão de esquerda, da correlação de forças. Dois motivos merecem destaque. O primeiro foi a forte ascensão social de muitos pobres que ingressaram, sob a batuta da política salarial e de transferência de renda, no mercado consumidor. As populações marginalizadas, que engrossaram durante anos os movimentos de resistência e confronto com a institucionalidade vigente no país, diminuíram. As ocupações de terra e acampamentos em beira de estrada despencaram nos últimos cinco anos, como ilustração deste fenômeno. O emergente, como tantas pesquisas revelam, é pragmático, sedento por consumo de qualidade e fechado em sua família. Não lhe atrai envolver-se com ações públicas, de rua. Muito menos ações de enfrentamento e risco pessoal. O segundo motivo foi o abandono, por parte do governo, da agenda proposta por agentes pastorais – até então, um dos pilares da lógica petista – e de todo mecanismo de participação direta na gestão pública. A adoção do PAC foi a última declaração de afastamento concreto da gestão Lula em relação à lógica da Teologia de Libertação, em sua expressão brasileira. O confronto iniciado pelas greves de fome de Frei Cappio, contra a Transposição do Rio São Francisco, foi apenas uma dentre tantas demonstrações de isolamento político da lógica comunitarista, de resistência social e tomada de decisões a partir de mecanismos de democracia direta (anti-institucionais por natureza) que definiam o projeto político que envolvia "as populações excluídas" a partir das ações pastorais progressistas. A Era Lula dividiu as pastorais sociais e a CNBB de Dom Helder Câmara. Várias pastorais ancoradas na Teologia da Libertação resolveram romper com a proximidade com o governo federal. Já haviam sido afastadas do governo federal tempos antes, com a saída de Frei Betto e Ivo Poletto do Programa Fome Zero. Alguns agentes pastorais se tornaram céticos em relação a qualquer possibilidade positiva oriunda do sistema partidário e instituições políticas do país. Outros, alinharam-se com a perspectiva ambientalista e ensaiaram aproximações com o bloco articulado ao redor da ex-ministra Marina Silva. Outros, ainda, voltaram às origens e se aproximaram timidamente da liderança de Plínio de Arruda Sampaio, desde sempre uma referência progressista para boa parte da CNBB, hoje candidato do PSOL à Presidência da República. Com a divisão da ala progressista da CNBB, o Pêndulo de Foucault fez mais um movimento. A ala considerada centro da CNBB pode se afastar ainda mais dos compromissos históricos e de convivência com o setor progressista, incrustado na direção das pastorais sociais da entidade. E a ala mais conservadora emergiu. Não porque tenha mais força no país. Mas porque o outro extremo se dividiu em várias alas. Porque a concepção que fundou a CNBB não tem mais um projeto claro para o país. É daí que se compreende que a Campanha da Fraternidade, mais uma vez ecumênica (2000 e 2005 tiveram, também, sua versão ecumênica) será crítica ao governo Lula. No texto de referência da campanha lê-se: "Apesar de os gastos com juros e amortizações da dívida pública consumirem mais de 30% dos recursos orçamentários do país, essas dívidas não param de crescer. A dívida interna alcançou a gigantesca cifra de R$ 1,6 trilhão em dezembro de 2008, tendo apresentado crescimento acelerado nos últimos anos". Uma das tabelas do texto de referência mostra a elevação da dívida nos governos de FHC (1995-2002) e de Lula. O documento cita o PAC ao atacar a má distribuição de renda: "O crescimento do PIB, expresso em médias nacionais, não é sinônimo de boa distribuição dos recursos entre os diversos grupos sociais. Os pobres continuam lesados nos seus direitos. O PAC é o exemplo mais recente no Brasil". Como esta versão da Campanha ainda é comandada por forças progressistas, a campanha defende a realização de um plebiscito sobre a limitação do tamanho das propriedades rurais do país. Lula une a CNBB, pela oposição, e abriu uma fissura no interior da organização. Como em política não há vazio de poder, o setor mais conservador decidiu dar seu passo à frente. A 48ª Assembléia da CNBB indicou uma mudança de rumos importante. Trata-se de guerra de posição no seu interior. O pronunciamento oficial do arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, na assembléia, foi uma demonstração de ousadia e força. O ultradireitista líder católico afirmou, sem qualquer pudor e com todo mecanismo de superego desligado: "Quando a sexualidade é banalizada, é claro que isso vai atingir todos os casos. O homossexualismo é um caso. Antigamente não se falava Finalmente, chegamos ao embate aberto, tendo o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) como pretexto. A grande imprensa noticiou: "Um grupo menos simpático ao governo do PT defende a negação total do programa. Outro defende o diálogo: é contrário a alguns pontos, mas defende que parte do texto seja preservada. A divisão reflete o racha político na CNBB." O racha existe, mas a divisão não se dá efetivamente em relação ao apoio ao governo Lula. Pelo contrário. O que está em jogo é o Pêndulo de Foucault. Vários bispos conservadores decidiram se impor para diminuir a politização da CNBB e esvaziar os grupos com atuação de esquerda. O Presidente da Cáritas Brasileira — progressista —, Dom Luiz Demétrio Valentini, favorável a uma censura apenas aos pontos polêmicos (aborto e casamento homossexual), afirmou que não havia consenso sobre o PNDH e decidiu explicitar a tensão nos debates. Em suas palavras: "Não há consenso sobre o programa. Há tensão nos debates. Alguns bispos estão motivados por certo fundamentalismo incompatível com os tempos atuais e querem mandar o plano e o Lula para o inferno. Não se pode dizer amém simplesmente ao plano. Mas não se pode negar tudo". O próximo passo, muitos avaliam, será a desmontagem da assessoria técnica da CNBB, considerada pelos conservadores como identificada com a esquerda e próxima ao governo Lula. Quem deverá assumir esta tarefa, dentre outros, é o Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagoto. Segundo suas palavras: "Há uma inspiração inegável nos modelos bolivarianos da Venezuela, Bolívia e Equador, cujos governos pregam a democracia participativa de grupos de pressão, inibem o Legislativo e o Judiciário e negam valores transcendentes". Por seu turno, Dom Amaury Castanho, ex-bispo diocesano de Jundiaí já havia sugerido que o afastamento gradativo de fiéis da Igreja Católica deve-se à tendência predominante de politização da igreja brasileira nos últimos trinta anos. Dom Amaury confrontava, inclusive, com a idéia de "opção preferencial pelos pobres", afirmando que esta opção teria sido, de fato, de exclusão dos fiéis mais abastados. E provoca: nem mesmo os pobres compreenderam tal opção, já que onde a Teologia da Libertação e CEBs atuou – a periferia das cidades – foi justamente onde houve maior evasão de fiéis para outras religiões. Haveria algo mais nítido sobre o clima de confronto aberto entre bispos brasileiros? Fonte: www.ihu.unisinos.br, 17/5/2010 CÁRITAS DIOCESANA CAXIAS DO SUL |
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