8 de out. de 2009

"Tiro ao alvo", por José Antonio Somensi (Zeca)

 

Tiro ao alvo.

Duas imagens de acontecimentos nas últimas semanas continuam povoando a minha mente e acabam com que eu faça algumas digressões.

O corpo do trabalhador rural Elton Brum da Silva (+21/08/09) estendido numa maca de metal no Instituto Médico Legal com as costas marcadas pelas balas vindas de uma espingarda calibre 12 durante uma manifestação me leva a pensar na dificuldade histórica que se tem na realização da reforma agrária no país. Não conseguimos realizá-la quando da Proclamação da República nem mesmo durante o favorável período de industrialização do país a partir dos anos de 1950. Hoje enquanto nossa economia se firma com um pé no agronegócio exportador, alguns governantes, partidos políticos identificados com o latifúndio e a grande mídia criminalizam os movimentos sociais em especial o MST e criam dificuldades para não permitir que haja a atualização dos índices de produtividade no campo defasados em no mínimo 40 anos. Aqui fazemos uma pequena observação: embora não tenha a vivência do campo, mas percebendo a evolução técnica da indústria, por analogia essa evolução também ocorreu no campo, talvez em menor escala, o que por si só justifica um novo índice, mas se não bastasse este aspecto, digamos subjetivo, usamos então dados estatísticos.

Segundo dados divulgados pelo IBGE o Censo Agropecuário de 2006 mostra um aumento na concentração de terra no Brasil nos últimos 10 anos que estão sendo utilizados principalmente para soja e criação de gado com uso abusivo de agrotóxicos e desmatamento sem critério cabendo as pequenas propriedades por garantir a segurança alimentar através do plantio dos produtos que compõem a cesta básica dos brasileiros, bem como a contratação de trabalhadores (mais de 80% dos trabalhadores rurais). À medida que estes dados começam a chegar para a população fica cada vez mais difícil apresentar argumentos contra a reforma agrária restando força bruta, a violência, a manipulação de informações, o aparato de seguranças privados, segurança pública para garantir a propriedade privada e a espingarda. Balas neles. (Nota: No dia 05/10/09 a imprensa mostrou que o MST invadiu uma área da Fazenda Capim e destruiu alguns pés de laranjas, mas esqueceu ou não quis informar que estes pés de laranja e parte da fazenda estão nas terras da União, ou seja a Sucocítrico Cutrale dona da Fazenda Capim usa a terra de forma irregular, pratica a grilagem destas terras. Paralelo a isso o governador de São Paulo José Serra em entrevista disse que o MST procura criar confusão na sociedade e busca um mártir, justificando de antemão uma ação mais violenta por parte da polícia paulista nas questões de terra.)  

A cabeça de um assaltante do Rio de Janeiro transpassada por um tiro de espingarda (?) efetuado por um atirador de elite mostrado praticamente ao vivo e depois amplamente divulgada pelos telejornais e programas que exploram a exaustão casos de violência – principalmente na periferia nos mostra a situação da violência na cidade. Sabemos que a violência tem aumentado de forma muito rápida nesta nossa sociedade individualista e consumista e que as desigualdades sociais continuam a atormentar a população. Falar de violência é sempre desafiador porque se não sofremos diretamente com ela conhecemos alguém próximo que já sofreu algum tipo de violência, seja roubo, agressão física, coação, no trânsito e quando não é isso tem aqueles que nos acusam de que defendemos os direitos humanos porque em ultima análise é para proteger bandido. Somos sim defensores da vida, achamos que ninguém deve tirar a vida de ninguém, nem do assaltado, nem do assaltante porque não é essa solução como mostram os resultados em países onde a pena de morte é legal. Embora reconhecendo que uma parte da violência não tem sua origem na pobreza onde muitos assaltos e crimes são realizados por pessoas que não passam fome, tem casa para morar, boa escolaridade -não confundir com boa educação-, tem família, não podemos deixar de admitir que a principal causa é a desigualdade social (econômica, educacional, racial, cultural...) fruto da falta de interesse dos governos em assumir a responsabilidade de cumprir a Constituição quando assumem seus cargos eletivos. Lembramos aqui as palavras do bispo de Abaetetuba – Pará – Dom Flávio Giovenale que diz que não devemos ser ingênuos tratando os bandidos só com flores, mas o símbolo da paz é uma pomba que para voar precisa de duas asas; uma asa é a repressão ou seja, uma polícia melhor equipada, melhor remunerada, menos corrupta, com um judiciário trabalhando e fazendo cumprir as leis; outra asa é a prevenção, os direitos que todos os cidadãos precisam ter para que possam sentir sua cidadania plena.(IHU 13/01/2008)

Pode ser coisa de minha cabeça mas acredito que existam semelhanças entre a morte do Elton Brum da Silva e do Sérgio Ferreira Pinto Júnior (+25/09/09 - esse era o nome do assaltante morto em Vila Isabel). Colocar a culpa nos Eltons e Sérgios é fácil e justificar que não precisa invadir terras, nem roubar é tranquilizador para nós porque estamos no lado de cá. Tal como na era medieval ficamos em praça pública vibrando com a morte dos outros, exigindo aos gritos a execução destes selvagens, como se essa nossa ação não fosse também uma selvageria. Vejo nestes dois casos a tentativa de forma subliminar talvez, de apresentar para a sociedade que a solução para estes problemas sociais seja uma pena de morte não oficial, portanto inconstitucional, que seja preciso eliminar ou ‘neutralizar’ (Carolina Maria Médici) quem está atrapalhando sem precisar mudar o ‘status quo’ que vivemos. A violência, como nos lembra o padre Gilnei Fronza não tem saída individual, precisa de ações conjuntas e é preciso querer enfrentar o problema. Aqueles que não querem têm outras propostas: Reforma agrária? Bala neles! Trabalho, salário, moradia, terra, saúde, educação? Bala neles! Pomba da paz? Bala nelas! Simples, não?

José Antonio Somensi (Zeca)

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